Por Carlos Lima, Jorge Antunes, Maria Lúcia Leal e Patrícia Pinheiro
O Estado capitalista brasileiro se caracteriza, entre outras determinações, por ser organizador e produtor da exclusão social. Para financiar a reprodução das relações sociais capitalistas, utiliza de todos os instrumentos para garantir a exploração e o não acesso aos bens culturais e sociais por parte substantiva da sociedade, para que a elite continue a desfrutar da riqueza produzida pelos trabalhadores assalariados. Nesse sentido, a maioria da sociedade se encontra excluída do acesso à educação pública, gratuita e de qualidade, à saúde, à moradia, à terra e aos demais bens que formam e conformam a dignidade humana.
O primeiro mandato do Presidente FHC apresenta a questão da adequação da estrutura do Estado segundo os parâmetros neoliberais, ou seja, atendendo às exigências que os interesses do capital financeiro mundializado fazia e continua a fazer. A reforma do Estado não era apenas uma exigência das forças democráticas e populares que lutavam para adequar a estrutura do Estado ao espírito da Constituição de 88. O Estado herdado pela ditadura também não atendia aos interesses do grupo no poder. Somente com Fernando Henrique no governo é que os parasitas banqueiros vão ser efetivamente representados e passam a dominar o cenário macroeconômico.
A economia brasileira foi aberta ao capital transnacional que internacionalizou a pletora de capital-mercadoria dos países desenvolvidos sem, no entanto, internacionalizar o processo produtivo, até porque nesta fase agônica do mundo do capital, este é capitaneado pelo capital fictício. Para isso várias medidas de política econômica foram utilizadas pela equipe do então Presidente Fernando Henrique Cardoso.
A partir daí o governo vai desencadear todo um processo que envolve pelo menos três tarefas importantes. A primeira será a da “satanização” do Estado. Tudo que é estatal é ruim: o Estado é incompetente, ineficiente, corrupto. A segunda é a de colocar a idéia de nação e de soberania como algo anacrônico. Em um mundo globalizado, haveremos de nos globalizar a qualquer custo e, por fim, a terceira tarefa vai ser a da desqualificação da noção de público em conseqüência da desqualificação do papel do Estado. As críticas à ação deste justificavam sua diminuição frente aos problemas e demandas sociais.
A reforma do Estado que se inicia com FHC, sob a batuta do famigerado Bresser Pereira, está colimada pelo governo Lula, e tem, como seu pressuposto um objetivo de natureza ideológica que é o de transformar o conjunto das instituições nacionais em organizações sociais. Essa transformação (e isso nos interessa de modo particular, porque leva à discussão para o terreno da educação) incide diretamente sobre sua lógica na medida em que a natureza pública das instituições passa a ser regulada pelo privado. As instituições, dado o seu ethos, seus valores, são muito pouco permeáveis à lógica instrumental da gerência, que obedece ao cálculo racional econômico. O processo de equalizar as organizações sociais, tem por objetivo esvaziar o peso da sua estrutura e das suas finalidades. Daí ser possível deslocar a avaliação dessas instituições, do plano da legitimidade para o plano da eficácia operacional.
Outro objetivo que a reforma do Estado incorpora é o da transferência clara de todos os centros intermediários de decisão para a área de influência do grande capital. Isso implica na liquidação da res publica, em um país onde o público sempre esteve vinculado ao protagonismo do Estado. Como isso se retrata na educação brasileira? Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e outras medidas anencefálicas.
Palco de inúmeros debates e enfrentamentos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Lei nº 9.394 de dezembro de 1996) integra o conjunto de reformas – econômicas, sociais e políticas – estabelecido pelo modelo neoliberal que, hegemonicamente, vem sendo implantado no Brasil desde o início dos anos 90. Essa lei deu condições ao Ministério da Educação e Cultura para a formulação e o desenvolvimento de políticas públicas para a educação de cunho fortemente homogeneizador. Entre elas, podemos citar o tripé: Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico (FUNDEB), programas de Avaliação dos Sistemas de Ensino (educação básica e ensino superior) e Formação dos Profissionais da Educação. Esse tripé se constitui na marca social do modelo regulador do Estado.
A reforma do Estado obedece à lógica da reprodução ampliada do capital na economia mundializada. O decisivo, para distinguir formas de acumulação, é perguntar quem controla o processo de acumulação[1] e a quem beneficiam as políticas postas em prática.
É inegável que Lula – 3º e 4º reinados de FHC – assumiu o poder político com o país mergulhado na grande crise que grassava na economia brasileira. O governo FHC, por meio do Plano Real, aprofundou a crise econômica. Os primeiros quatro anos de mandato tiveram como ponto fundamental a abertura das fronteiras ao capital internacional. Na verdade, essa abertura e, ao mesmo tampo, o aprofundamento da inserção da economia brasileira à economia globalizada, obedeceu à lógica inscrita na dinâmica econômica capitalista. A partir do momento em que as economias hegemônicas se encontram em crise, as economias retardatárias têm como papel basilar servir de escoadouro para a produção excedentária da economia integrada. Nesse sentido, o Plano Real teria que garantir a demanda para os bens de luxo que entraram em crise nas economias hegemônicas. Às crises de sobreprodução e insuficiência de demanda dos países cêntricos, inerentes ao processo sociometabólico capitalista, vai corresponder uma modificação qualitativa no mundo periférico, nas economias semi-integradas.
A política de Educação do governo Lula beneficia descaradamente os tubarões do ensino particular. O ingresso no ensino superior ocorre por meio da compra de vagas no ensino privado (PROUNI). Dessa forma é saciada a fome dos mercadores da educação. São gerados, assim, dois problemas: o trabalhador é incluído no ensino superior de segunda categoria e, pela mesma ação, o governo deixa de investir na melhoria da escola pública, de nível médio e fundamental como um todo, onde pouco ou quase nada é realizado. Em suma: o governo Lula presta um verdadeiro desserviço à educação e aos trabalhadores brasileiros, pois que adota critérios de inclusão estrambóticos, quando desvia dinheiro público para valorizar o capital investido nas universidades privadas sucateando, em conseqüência, as universidades públicas.
O governo do PT tem, de todas as maneiras, forjado utopias e intenções democráticas e benéficas para os trabalhadores com ações reformistas. Essas reformas do governo têm levantado, em todos os lados, uma enorme oposição política. O próprio partido do governo sofreu uma ruptura de parlamentares que se opuseram à reforma imprevidente da Previdência.
Quando assistimos o governo atual manter salários do funcionalismo público federal congelados, aumentando sobremaneira a pobreza no país, em obediência à política econômica que o Banco Mundial e a Fome e Miséria Internacional (FMI) ditam para os países “atrasados”, fica impossível entender quais são esses ideais democráticos que fazem ênfase na justiça social. Talvez seja essa a terceira via proposta pelo capital em crise: a barbárie social.
Para barrar o avanço das políticas neoliberais é absolutamente necessário que a luta não esteja circunscrita a reivindicações imediatas, mas estas devem estar ligadas à luta política de toda a classe trabalhadora por políticas públicas que venham ao encontro da classe trabalhadora.
É importante ressaltar que nenhum movimento limitado exclusivamente na mobilização de diretores e ativistas sindicais, sem um enérgico trabalho que não motive o conjunto dos trabalhadores nos seus locais de trabalho e moradia, e dos estudantes nos seus locais de estudo, pode ter sucesso na luta contra o Estado neoliberal, o governo Lula e o imperialismo.
É preciso uma direção política que capitaneie as lutas sociais em defesa dos interesses dos trabalhadores, estudantes, funcionários e professores que já foram e serão atingidos pelas próximas reformas. O desenvolvimento dessa luta contra as reformas universitária, trabalhista, sindical, tributária etc. depende, fundamentalmente , da combatividade operária que deverá levar adiante a luta pela recuperação da organização da população, como frente libertária da luta dos professores, funcionários, estudantes e trabalhadores em geral.
É preciso um diálogo permanente entre os trabalhadores e outros setores populares, esclarecendo a divisão das organizações entre os que querem defender os seus interesses contra a política predatória das instituições multilaterais (FMI, BM e OMC) e os que são meras correias de transmissão do governo do PT. Essa é a linha divisória fundamental para o próximo período no interior das organizações e das lutas contra o estado de coisas que se estabelece.
[1] CARDOSO, F. H. O modelo político brasileiro, SP, DEL, p. 15.
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